A Caminho de Casa
A partir de uma reflexão sobre “a fé agindo sobre o homem”, A Caminho de Casa foi construída. Existe sentido em ter fé no invisível? Ainda é possível ter fé no homem? Pra onde oscila a balança: para a fé ou para o ceticismo? Existe espaço para a tolerância quando existe crença na “verdade”? E o que deus tem a ver com isso?
Perto do início da peça você vai ouvir um grande estrondo. E, a partir daí, um jorro de palavras, ondas confusas de relacionamentos instântaneos, olhares de encorajamento entre sujeitos que nunca haviam se visto, diálogos fugazes.
Engana o olho, companheiro! Engana o olho!
A Caminho de Casa arma o jogo a partir de oito personagens paralisados por um grande engarrafamento. Eles não têm nada em comum do ponto de vista da narrativa, mas há um denominador comum: a solidão – traduzida aqui no isolamento de um automóvel. Cada um em seu automóvel tenta compreender o que lhes acontece e se situar no mundo. A narrativa toma como ponto de partida um mesmo espaço (a auto-estrada, onde os automóveis pararam), um acontecimento agregador (a explosão de um ônibus, que detonou o grande engarrafamento) e se fia na breve identidade dos personagens (vários homens e mulheres desconhecidos entre si e obrigados a conviver).
O segundo acontecimento é a estória de amizade entre um velho árabe e um menino judeu. Inspirado na novela francesa Monsieur Ibrahim et les fleurs du Coran (de Eric-Emmanuel Schmitt), este trecho da montagem é estruturado quase como uma fábula, onde a narrativa fica a cargo de belas prostitutas. O velho e o menino também estão a caminho de algum lugar, também se enfiam dentro de um automóvel, mas descobrem uma estrada paralela e passam ao largo do grande engarrafamento. Nem sequer ficam sabendo da explosão do ônibus, só ouvem um certo barulho ao longe.
A terceira história é construída como um relato de vida, um fluxo de pensamento, uma conversa misteriosa de uma mãe com deus sobre crença e capacidade de amar. Sobre o melhor e o pior que a fé pode provocar no homem. Não há um “contexto histórico” destacado. Não há nenhuma reinvidicação. É somente uma mãe, como tantas. O que a liga às outras estórias é que seu filho estava no ônibus que explodiu.
Num belo texto sobre livros e leituras, Franz Kafka escreve:
Parece-me que deveríamos apenas ler livros que nos mordam e espicacem. Se a obra que lemos não nos desperta como um golpe de punho sobre o crânio, qual a vantagem de a ler? Para que nos torne felizes? Meu Deus, seríamos da mesma forma felizes se não tivéssemos livros. E os livros que nos deixam felizes, a rigor, poderíamos escrevê-los nós mesmos. Em contrapartida, precisamos de livros que sobre nós atuem de modo igual a uma desgraça; que nos façam sofrer muito, como a morte de quem amássemos mais do que a nós mesmos; como um suicídio. Um livro deve ser o machado que rompe o mar gelado existente em cada um de nós.
Seria bom dizer o mesmo sobre o teatro.
Paulo de Moraes (diretor)
Fotos
Críticas
“(…) A encenação é muito interessante, e a cenografia de Paulo de Moraes e Carla Berri, em particular no primeiro segmento, inventiva e inesperada, é excepcional. A direção de Paulo de Moraes é trabalhada em acordo com os caminhos buscados pela dramaturgia, com mais ou menos realismo, e a equipe corresponde muito bem ao desejado. O rendimento interpretativo do conjunto é muito bom, colhendo os frutos do trabalho em equipe e da participação do processo criativo da dramaturgia. (...) Thales Coutinho e Simone Mazzer são os comoventes protagonistas da salvação pela solidariedade do segundo fragmento. (...) Patrícia Selonk tem ótimo desempenho como a representante do descaminho da fé fanática a lutar contra a dor materna. (...)”
O teatro que olha o mundo
Bárbara Heliodora (crítica de teatro, O Globo)
“(...) Cada um dos textos, ao seu estilo e a seu modo, serve como painel de um mundo explosivo, captando do estrondo a capacidade do indivíduo em refazer-se pela fé em si. Paulo de Moraes explora os estados reflexivos e emocionais dos textos, procurando individualização estilística, sugerida pelo caráter da escrita. (...) A cenografia, de Paulo de Moraes e Carla Berri, e a animação gráfica de Rico e Renato Vilarouca são responsáveis pelos sugestivos efeitos teatrais. (...) Patrícia Selonk projeta a medida da dor materna em atuação lúcida e emotiva, alcançando embocadura brechtiniana. A Caminho de Casatraz o contemporâneo ao centro da cena, com dramaturgia viva e nada circunstancial, registrando alguns flagrantes da fotografia enevoada de nossos tempos.”
Entre a fé e o caos
Macksen Luiz (crítico de teatro, Jornal do Brasil)
“ (...) Maravilhoso é o melhor adjetivo para "A Caminho de Casa", de Mauricio Arruda Mendonça e Paulo de Moraes. (...) o texto discute questões metafisicas como fé, religiões e paz. Está dividido em três pequenas peças, a primeira das quais, divertidíssima, coloca pessoas com seus carros paradas numa estrada devido a um acidente e sem perspectivas de conseguir chegar a seus destinos. A dramaturgia é brilhante, especialmente devido à construção das personagens e seus relacionamentos. (...)
As duas últimas histórias que seguem têm grande intensidade dramática. (...) Fiquei encantada com a dramaturgia assim como com a perfeita atuação do elenco (Patricia Selonk, Simone Mazzer, Simone Vianna, Sérgio Medeiros, Thales Coutinho, Ricardo Martins, Isabel Pacheco, Stella Rabello, Marcelo Guerra e Raquel Karro) e com a direção de Paulo de Moraes. Ele acerta em tudo, cenários e figurinos. Enfim, é tudo deslumbrante. Imperdível.”
Tablados paranenses
Maria Lúcia Candeias (crítica de teatro, Gazeta Mercantil)
“ Em 18 anos de vida, a Armazém Cia de Teatro criou processos e expectativas. Dela sempre se pode esperar um espetáculo inovador e bem embalado e um discurso que não teme ser retórico, desde que instigue à reflexão sobre o contemporâneo.
Assim, entre o encanto e o incômodo, “A Caminho de Casa” atinge um ápice. (...)
O diretor Paulo de Moraes, junto a Maurício Arruda Mendonça, desenvolve sua reflexão em três etapas. (...) A estratégia é ousada. São três peças bem diferentes que se ligam. A primeira, cheia de um humor cínico. (...) Na segunda, não há pudor em cair no melodrama. (...) Na terceira, a companhia se arrisca na tragédia. Patrícia Selonk impõe respeito para que se ouça a mãe do “mártir” terrorista, a quem em geral a mídia só mostra chorando. Tarefa de rara aridez: mas não há nada que Selonk não possa fazer.
Reflexão compartilhada, “A Caminho de Casa” é um inesquecível elogio à tolerância enquanto heroísmo cotidiano.”
Armazém faz elogio à tolerância em ‘A Caminho de Casa’
Sergio Salvia Coelho (crítico de teatro, Folha de São Paulo)
Ficha Técnica
Direção: Paulo de Moraes
Dramaturgia: Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes
Elenco:
Isabel Pacheco
Marcelo Guerra
Patrícia Selonk
Raquel Karro
Ricardo Martins
Sérgio Medeiros
Simone Mazzer
Simone Vianna
Stella Rabello
Thales Coutinho
Iluminação: Paulo César Medeiros
Figurinos: João Marcelino
Cenografia: Paulo de Moraes e Carla Berri
Videografismo: Ricco Vilarouca e Renato Vilarouca
Trilha Sonora: Paulo de Moraes
Projeto Gráfico: Alexandre de Castro
Fotografias: Léo Bittencourt
Produção Executiva: Flávia Menezes
Patrocínio: Petrobras
Produção: Armazém Companhia de Teatro
Turnê
Rio de Janeiro
Curitiba
São José do Rio Preto
Aracaju
João Pessoa
Mossoró
Fortaleza
Natal
São Paulo
Recife